CLAYTON
LEVY
A instalação de um novo parque tecnológico, que
abrigará empresas e institutos de pesquisas voltados
para inovação tecnológica, será o primeiro projeto a ser
desenvolvido pela Agência de Inovação da Unicamp
(Inovacamp). O anúncio foi feito pelo reitor Carlos
Henrique de Brito Cruz, no último dia 15, durante o
evento Campinas Inova, que reuniu cerca de 500
participantes no Centro de Convenções da universidade. O
encontro, que debateu os caminhos para a inovação
tecnológica no País, também marcou o lançamento oficial
da agência, primeira do gênero no Brasil.

"Queremos incrementar a interação da universidade
com a sociedade de forma organizada e estratégica",
disse Brito Cruz ao definir a função da nova agência.
Segundo ele, a Inovacamp será um setor onde empresas e
órgãos públicos encontrarão apoio e informações para
viabilizar sem embaraços seus projetos. "Com isso,
também estaremos ampliando nossas atividades de ensino e
pesquisa, porque professores, pesquisadores e estudantes
estarão empenhados no desenvolvimento de projetos
específicos", completa.
O primeiro projeto da Inovacamp, segundo Brito
Cruz, consistirá em desenvolver um estudo de viabilidade
econômica e plano de investimentos necessários para a
instalação do novo parque tecnológico. Para isso, já
conta com financiamento no valor de R$ 2,8 milhões. Os
recursos virão do governo federal, através da
Financiadora de Estudos e Projetos (R$ 1,3 milhâo);
governo estadual (R$ 1,2 milhão); e administração
municipal (R$ 300 mil). reitor. O prazo para conclusão
do estudo é de dois anos.
O parque está previsto para ocupar uma área de
sete milhões de metros quadrados no entorno da Unicamp
e próximo de outros centros de pesquisa, como o
Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS); Centro
de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD); e Núcleo
de Bioinformática da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). A região
também já abriga diversas empresas de base tecnológica,
entre elas a ABC Xtal, pioneira na produção de fibra
ótica nacional, e a AsGa, maior fabricante de equipamentos
para comunicações óticas do país. Para Brito Cruz,
porém, esse é apenas o primeiro de uma série de
estudos que a agência deverá desenvolver nas mais
diversas áreas do conhecimento.
Um grupo de trabalho encarregado de planejar a
agência, identificou várias áreas onde será possível
estabelecer parcerias importantes. "A idéia é
desenvolver programas para tratar estas atividades de
maneira mais profissional", explica o reitor. O grupo é
coordenado pelo professor do Instituto de Economia e
secretário executivo do Ministério da Ciência e
Tecnologia no governo FHC, Carlos Américo Pacheco. Além
de desenvolver projetos voltados para a inovação
tecnológica, a agência também realizará estudos voltados
para parcerias no setor de políticas
públicas.
Para realizar as parcerias, a agência adotará o
conceito norte-americano de one stop shop, uma espécie
de Poupatempo no campus, onde o interessado poderá
encontrar todas as informações necessárias e agilizar os
procedimentos num único local. "Ele não ficará
circulando de um lugar para outro em busca de
orientação", garante Brito Cruz. Segundo ele, a agência
será capaz de montar a estratégia de cooperação num só
lugar, mesmo que a parceria envolva outros órgãos da
universidade. "A agência não terá papel centralizador,
mas fará a ligação entre os setores envolvidos",
explica.
Parcerias - Outro programa importante,
segundo o reitor, é o de parcerias estratégicas. Nesse
caso, o objetivo será intensificar a cooperação junto a
empresas com as quais a universidade já se relaciona.
Entre elas, a Petrobrás, Embraer, Itautec e a a TMS
Sigma Farma. "Nós já fazemos isso, mas queremos atuar de
maneira mais profissional", diz. "Para isso, estamos
adotando algumas iniciativas, como a realização de
workshops, seminários de um dia, nos quais reunimos
pesquisadores das empresas e da Unicamp e eles
identificam temas nos quais possam trabalhar
conjuntamente".
A agência também terá um programa destacado na
área de propriedade intelectual, setor em que a Unicamp
tem sido muito bem sucedida. "Somos a universidade
brasileira com maior número de patentes registradas",
diz Brito Cruz. Segundo ele, além de ampliar a
capacidade da instituição em registrar propriedade
intelectual, a agência trabalhará para agilizar o
licenciamento das patentes. "Sem isso, a patente é só um
item de despesa e não de receita", destaca. Nessa mesma
linha a unidade também desenvolverá ações para
incrementar o programa de incubadora de empresas.
Atualmente, oito empresas estão abrigadas na Incubadora
da Unicamp (Incamp).
Em outra frente de atuação, a agência de inovação
trabalhará para aumentar a capacidade da Unicamp em usar
os fundos setoriais para financiamento de projetos de
pesquisa. "A agência não buscará diretamente os recursos
mas ajudará os interessados em consegui-los", explica
Brito Cruz. O reitor lembra que há agências de fomento
nas quais o pesquisador tem de buscar o dinheiro
individualmente e outras onde a busca tem de ser feita
pela instituição. "Vamos cooperar nas duas linhas,
preparando os projetos que serão submetidos aos órgãos
financiadores", explica.
Para Brito Cruz, a criação da agência coincide
com um momento favorável à iniciativa. "A idéia sobre o
valor da inovação tecnológica está se disseminando
rapidamente na sociedade brasileira", diz ele. "Tanto no
âmbito do poder público como no setor privado,
observa-se um interesse crescente nesse tema e portanto
naquilo que a agência poderá realizar", completa.
Segundo ele, há iniciativas similares em universidades
estrangeiras, mas no Brasil o projeto é inédito. Segundo
o reitor, a agência poderá até gerar receita extra, mas
o objetivo principal é aumentar e melhorar as atividades
de avanço do conhecimento e de ensino. "Não se pode
perder isso de vista", conclui.
O exemplo que vem de Toronto
Morando há vinte
anos no exterior, onde concluiu os cursos de mestrado e
doutorado na área de física, o brasileiro Fábio de
Almeida ocupa atualmente o cargo de diretor da Fundação
de Inovação Tecnológica da Universidade de Toronto, no
Canadá. Misturando os sotaques mineiro (ele é natural de
Belo Horizonte) e norte-americano, ele diz que nos
últimos 20 anos está se consolidando nas universidades
do mundo inteiro uma certa tendência em ampliar seu
leque de atividades para o lado do empreendedorismo.
Para ele, isso não quer dizer que a academia esteja
abandonando sua principal função, aquela de formar
cérebros e gerar conhecimento. Significa, apenas, que o
mundo acadêmico está encontrando outras maneiras de
contribuir com a sociedade. Em entrevista ao Jornal da
Unicamp, Almeida, que participou do Campinas Inova 2003,
detalhou a atuação da Agência de Inovação
canadense.
JU - Quais as políticas básicas para o
funcionamento da Fundação?
Almeida - A
universidade tem um sistema misto. O inventor que atua
na universidade pode pedir a propriedade intelectual de
sua invenção mas tem de dar à universidade 25% dos
lucros. Esse professor não é obrigado a comercializar
seu produto através da fundação, mas como esta é a
melhor opção, a maior parte das invenções acaba sendo
encaminhada para nós.
JU - Como a fundação
avalia os inventos desenvolvidos pelos
pesquisadores?
Almeida - A avaliação inclui
quatro aspectos principais. O primeiro é o aspecto
pessoal. Uma das coisas mais importantes no processo de
transferência de tecnologia é a química entre o
professor-inventor e o proprietário da empresa que irá
licenciar o produto. O segundo fator é o científico e
tecnológico, ou seja, a invenção tem de funcionar. O
terceiro fator está ligado ao marketing e o quarto à
propriedade intelectual. Se o projeto é aprovado, é
feito um contrato por dois anos e a fundação assume os
custos do patenteamento e passa a trabalhar para o
pesquisador numa estratégia para licenciar o produto ou
abrir uma empresa que irá produzi-lo.
JU -
Não há risco para o pesquisador?
Almeida - O
pesquisador não tem risco algum. É uma parceria na qual
a fundação assume todos os riscos. Se dentro de dois
anos a fundação não conseguir promover essa tecnologia,
o inventor tem o direito de receber de volta as patentes
sem dever nada à fundação.
JU - Quando o empreendimento dá certo,
como são divididos os lucros?
Almeida - Assim
que a invenção foi avaliada e aceita ela se torna um
projeto. Nesse momento, há um acordo negociado entre o
inventor e a fundação. Se a idéia, por exemplo, é muito
nova, a divisão dos lucros gira em torno de 50% para
cada parte. Se a empresa que nasce de uma pesquisa
atingir um certo nível no mercado, a fundação também tem
direito de comprar ações da companhia a preços mais
baixos, negociados de antemão. Esses contratos são muito
bem feitos. Mas a fundação faz tudo, desde o registro
das patentes até a interação com empresas potencialmente
interessadas, plano de marketing, plano de negócios, sem
nenhum custo para o inventor.
JU - Desde a sua última reestruturação, há
quatro anos, quantos projetos já passaram pela
fundação?
Almeida - Há quatro anos a média era
de seis projetos por ano. Atualmente são 180 por ano.
Nós temos de avaliar todos os aspectos e decidir como
encaminhar cada caso.
JU - Desses 180 quantos se transformam
realmente em novos negócios?
Almeida -
Normalmente uma em cada quatro invenções não é aceita
para ir adiante. Os demais seguem para as outras fases,
mas não de maneira uniforme. Às vezes há dificuldades na
parte de financiamento, outras vezes na área de
marketing. Há algumas características que definem a
forma de comercialização da invenção. Se, por exemplo,
for uma invenção de plataforma, que pode sustentar
várias outras tecnologias, então pode-se pensar em abrir
uma companhia. Mas se o projeto é do tipo verticalizado,
que não pode sustentar outras tecnologias, então o
caminho mais indicado é o licenciamento. Atualmente,
cerca de um em cada dez projetos tem potencial para
gerar uma companhia nova.
JU - Como é a
estrutura da fundação em termos
técnicos?
Almeida - Nós temos assessorias
jurídica, financeira e de contabilidade. Mas a parte que
desenvolve os projetos é composta por acadêmicos e está
dividida em três áreas. Uma área de ciências da vida;
outra de engenharia e ciências físicas; e uma terceira
área voltada para formação de tecnologia. Atualmente
nossa estrutura está sobrecarregada porque tem havido um
crescimento de 50% ao ano no volume de projetos
novos.
JU - Em sua opinião, a iniciativa
de criar uma agência de inovação ligada a uma
universidade pública é um bom caminho para ajudar no
processo de inovação tecnológica num país como o
Brasil?
Almeida - De um modo geral, as
universidades do mundo inteiro são conservadoras. A
formação acadêmica consolidou essa tradição de formação
científica. Existe uma certa tendência de se pensar que
o conhecimento gerado na universidade é algo muito puro
e que a sua aplicação tecnológica significaria uma
espécie de mancha no contexto acadêmico. É indiscutível
que a principal função da universidade é gerar
conhecimento. Mas também é inegável que de uns tempos
para cá está havendo uma certa tendência ao
empreendedorismo, que deve ser compreendido como um
retorno que a universidade dá à sociedade. Isso é feito
através do próprio ensino, mas também pode ser feito
através da ampliação do impacto que a produção
científica pode provocar na sociedade.
JU
- Estaria havendo uma mudança de
paradigma?
Almeida - A universidade teve nos últimos
tempos um raciocínio na base do "ou publica ou perece".
Esta é uma mensagem negativa. Chamo a esta mensagem de
dois "pês". Nós precisamos trocar esta mensagem pelo
modelo dos três "pês", que são "patenteie, publique e
prospere", nessa ordem. Trata-se de uma mensagem
positiva. Queremos que o pesquisador, antes de publicar
um trabalho, consulte a fundação para saber se o seu
trabalho não poderia ter um impacto na sociedade muito
maior do que a sua simples publicação. Normalmente, o
cientista escreve em publicações científicas para outros
cientistas. Mas quando se desenvolve um produto que pode
melhorar a qualidade de vidas das pessoas, então o
impacto é muito maior. (C.L.)