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Gazeta Mercantil
Sexta-feira, 22-Mar-2002

       Campinas, 22 de março de 2002 - Na fase seguinte à da identificação do genoma, o estudo das proteínas vai formar um banco de dados essencial para a obtenção de resultados práticos.

       No futuro, talvez não mais longe que o tempo de duração de uma única década, A "tabela periódica da vida" estará pronta. Ao contrário dos 112 elementos que existem hoje, nas tradicionais tabelas periódicas de química, esta nova versão do lado biológico terá alguns itens a mais. Eles serão, aproximadamente, 100 mil. Em vez dos elementos químicos, que ainda continuarão não apenas existindo mas também participando de todas as reações químicas da face da Terra, este novo agrupamento terá um novo tipo de integrante: as proteínas. Moléculas que existem, na prática, exatamente por causa do grande alfabeto da vida, que os genes formam em todos os seres vivos sobre a superfície do planeta.

       No vácuo das ciências genômicas, várias novas áreas acadêmicas surgiram. Biólogos que, por exemplo, se formaram há dez anos, provavelmente jamais ouviram falar de biologia molecular computacional, um ramo da bioinformática, durante os seus cursos de graduação. Sem o casamento perfeito entre a biologia e a informática, por exemplo, o Projeto Genoma não teria conseguido nenhum de seus objetivos por uma simples falta de tempo hábil para que todas as anotações do DNA fossem terminadas. Agora, apesar de a comunidade científica ainda discutir quantos genes o ser humano tem - a polêmica terá novos capítulos em breve -, uma nova área dentro deste segmento surge. A bioinformática estrutural é necessária, principalmente neste momento em que os engenheiros genéticos e afins pretendem dar o segundo passo da era genômica, alguns preferem chamar este período de fase pós-genômica, o que seria um certo exagero. A análise do proteoma humano é um grande desafio DA comunidade científica envolvida com os primeiros 10 anos ou 15 anos que A era genômica tem de vida.

       "Os grandes objetivos do estudo do genoma humano são desenvolver drogas, prevenir doenças e aumentar a produção no campo. Para tudo isso, entender como se comportam as proteínas é essencial", diz Goran Neshich, pesquisador da Embrapa Agropecuária Informática, sediada em Campinas, interior de São Paulo. Na visão do cientista, que é sérvio de nascimento, o seqüenciamento genético, apesar de toda a sua importância, não conseguirá chegar a resultados práticos. Isso caberá, sem dúvida, às análises das proteínas que são formadas por intermédio da linguagem escrita pelos genes. São aproximadamente 3 bilhões de seqüências de genes no homem e, por exemplo, 10 bilhões no milho. A Embrapa, exatamente por causa de sua função, direciona a maioria de seus estudos para a agricultura. A engenharia genética é uma grande ferramenta que os cientistas têm para melhorar a produção do campo, mesmo que isto esbarre na polêmica, e ainda não resolvida, questão dos alimentos geneticamente modificados.

       "Uma proteína em três dimensões, com todas as suas características físico-químicas conhecidas, é como uma imagem de satélite para a navegação. A chance de Cabral naufragar quando ele descobriu o Brasil era muito maior do que hoje, por causa dos mapas de alta resolução que estão disponíveis", compara Neshich. Um dos objetivos fundamentais deste novo ramo da ciência, explica o cientista radicado no Brasil, é, de forma bastante pragmática, compreender como determinada seqüência gênica vai exercer certa função ou deixar de atuar, provocando um distúrbio. E o sujeito da ação é sempre a proteína.

       O mais importante banco de dados de proteínas hoje é o PDB (Protein Data Bank), criado nos Estados Unidos em 1993. Ele abriga a ficha técnica e o desenho em três dimensões de 17.568 moléculas de proteína - número atualizado todas as semanas. Com este pequeno leque de opções, é uma tarefa bastante árdua, por exemplo, a de um cientista de uma indústria farmacêutica qualquer que precisa filtrar determinada molécula protéica para aquele remédio que deve concluir em breve. Dependendo do caso estudado, esta fase de escolha pode durar até três anos. Neste intervalo, de 5 mil a 10 mil comparações poderão ser feitas entre várias famílias de estruturas protéicas para se chegar à conclusão de qual é a mais adequada. "Com a biologia estrutural e suas ferramentas, este tempo poderá ser diminuído em cerca de três meses", diz o cientista. E para quem acha que é pouca esta redução de algo além de 10% na fase de escolha da criação de um produto farmacêutico, Neshich afirma: "Isto já representaria uma economia de US$ 10 milhões no fim do processo para a indústria farmacêutica."

       Apesar de extremamente pragmático em suas pesquisas, o pesquisador da Embrapa não utiliza o termo ciência aplicada em seu dia-a-dia. "O que existe é ciência. O resto é conseqüência", diz. Um dos resultados bastante práticos desta chamada bioinformática estrutural surgiu dentro do próprio laboratório do pesquisador europeu. O software Sting (Sequence To and withIN Graphics), ferramenta criada para auxiliar no estudo da relação entre proteínas e das interações entre elas, já está em uso, inclusive no exterior. A versão 2.0 do Sting é um dos programas hospedado no site do próprio Protein Data Bank. Segundo o pesquisador da Embrapa, o desenvolvimento do software, realizado em conjunto com grupos de estudo norte-americanos, é apenas um dos objetivos de seu projeto. "Queremos descobrir também como as proteínas se dobram, resolver problemas entre a fase do seqüenciamento e da estrutura em si, além de fazer modelagem de proteínas", diz.

       A necessidade da força computacional é tão grande que o estudo de estruturas das proteínas, como se faz em Campinas, utiliza da mesma lógica, em termos de informática, que a procura por VIDA extraterrestre feita pela Nasa. Enquanto um computador demoraria 694 dias para decodificar uma única molécula de proteína, mil computadores podem fazer este mesmo trabalho em apenas cinco dias. E é por isso que a Embrapa está alterando A sua forma de trabalhar com os computadores. "A maioria dos nossos computadores convencionais fica de 80% a 90% do tempo ociosa. Temos de aproveitar bastante toda esta ociosidade."

       Apesar da grande aplicação que a bioinformática estrutural tem sobre os resultados do genoma humano, as ferramentas oriundas dela poderão ser utilizadas também com todos os outros seres vivos. Afinal, todos têm genes e proteínas. O processo é inverso ao que ocorreu nos primórdios da bioinformática, nos anos 90 do século passado. Seqüenciar bactérias, por exemplo, virou procedimento de rotina nos laboratórios brasileiros. Hoje, já são mais de 35 seqüências completas. Tudo começou com a bactéria Xylella fastidiosa, praga que causa o amarelinho. Publicado em 2000, este genoma foi o primeiro, de um fitoparasita, a ser conhecido em todo o mundo pelos cientistas.

       Bem próximo à Embrapa, dentro da cidade universitária campineira, está um dos principais laboratórios de bioinformática do país. A dupla de cientistas João Setúbal e João Meidanis é responsável por boa parte dos avanços das ferramentas computacionais aplicadas à área genômica. A investigação das proteínas não é uma idéia inédita da Embrapa. Desde o ano passado, por exemplo, por acreditar que a análise das proteínas era um caminho futuro, Meidanis passou a se dedicar a esta área. O seu interesse está mais restrito às proteínas de transporte. No casamento entre biologia e informática, os dois lados, pelo menos até agora, estão centrados em objetivos bastante coincidentes.

       Um dos frutos desta união são filhos brasileiros, que não querem mais deixar o país. Alguns deles nem foram para o exterior, outros, apesar de terem deixado o Brasil há menos de uma década, voltaram e aqui se estabeleceram. Poucas áreas científicas, dentro do Brasil, conseguiram provocar este refluxo entre os seus pesquisadores. Tanto é verdadeiro este sintoma que, na semana passada, mais uma amostra de que as raízes do genoma brasileiro estão crescendo surgiu.

       A ciência genômica e o mundo dos negócios também estão se unindo, mais do que nunca. A comunidade científica tomou conhecimento de que alguns de seus membros se tornaram empresários do ramo das novas tecnologias. Jesus Ferro, DA Unesp de Jaboticabal, João Setúbal, Paulo Arruda e João Paulo Kitajima - os três DA Unicamp - e Ana Claudia Rasera, DA USP, viraram sócios DA Alellyx, A palavra Xylella escrita ao contrário. Pelo perfil de todos os sócios da nova empresa, que recebeu um aporte inicial de R$ 30 milhões, que será dividido em seis anos, a bioinformática e a análise de proteínas continuarão, cada vez mais, juntas.

       Em relação aos seus cargos nas respectivas universidades, em princípio, eles continuarão exercendo as suas funções do lado de lá do balcão. João Meidanis, de fora desta sociedade, deverá em breve seguir o mesmo caminho de seus companheiro da "era genômica". Além das ferramentas e da pesquisa em si, todos estes produtos poderão gerar patentes e, por conseqüência, verba para que estes pesquisadores continuem no mesmo caminho. O Instituto Ludwig, de São Paulo, é outro que deve agir rápido para transformar os seus resultados em royalties.

       O grupo de cientistas-empresários já informou que irá utilizar dados de consórcios públicos e privados em seus trabalhos. É A grande TABELA PERIÓDICA em via de se formar, rapidamente.

       (Fim de Semana/Página2)(Eduardo Geraque)